Mais uma chance

Redigi o texto abaixo no dia 15 de novembro de 2016, um dia depois do episódio que passou a marcar a data do meu segundo aniversário (14 de novembro). Você vai entender.


Vou começar fazendo minhas as palavras do último policial civil com quem conversei antes de vir para o aeroporto agora há pouco: “agora é esquecer e continuar a vida”.

Foi assim:

Na tarde do dia 14/11, eu estava em um Uber na Marginal Tietê a caminho do aeroporto de Guarulhos quando o motorista passou por cima de uma pedra. Imediatamente, paramos no acostamento e constatamos que dois pneus (!) haviam estourado. Como faltavam cerca de 40 minutos para a decolagem, pedi a ele que encerrasse a corrida para que eu tivesse a chance de chamar outro Uber na esperança de não perder o voo.

Percebi que, a poucos metros de onde o carro parou, havia um McDonald’s. Pensei “vou chamar o Uber daquela esquina porque o McDonald’s é um bom referencial e também porque é mais seguro – afinal, se eu observar algo suspeito, posso entrar na lanchonete”. Só que não me dei conta de que não havia um acesso direto ao McDonald’s – o estacionamento era cercado por uma grade, e o acesso a ele se dava por uma rua lateral que levava a uma entrada que ficava a cerca de 50 metros do ponto onde eu estava.

Enquanto eu esperava o Uber, percebi, de longe, 2 pedestres caminhando e me olhando fixamente. Minha reação instintiva foi a de medir a distância intuitivamente, dar meia volta e correr desesperadamente em direção ao acesso do estacionamento. Nesse meio tempo, um dos dois indivíduos já corria atrás de mim aos gritos e, pior, empunhando uma arma.

Foi aí que aconteceu o inusitado: como eu estava correndo em uma subida, vestindo uma jaqueta de couro e carregando a tiracolo a pasta onde levo notebook, passaporte e um monte de outras coisas, acabei me desequilibrando e me estatelando no chão. No momento seguinte, o sujeito estava com o revólver apontado para mim, recolhendo minha bolsa e gritando “ESVAZIA OS BOLSOS!”.

(O outro indivíduo, segundo testemunhas, ficou na retaguarda escondido atrás de carros estacionados na rua).

Obedeci dizendo algumas coisas de que não me lembro ao certo, mas certamente implorando para que não me machucasse.

Só que aí aconteceu algo ainda mais inusitado.

Enquanto eu tirava celular e carteira do bolso, ouço um novo grito: “PARADO! POLÍCIA!”.

Uma viatura da Polícia Militar de São Paulo estava saindo do estacionamento no exato instante do meu tropeço. Dentro dela, dois policiais que tinham acabado de fazer um lanche. No McDonald’s.

E foi exatamente nesse momento que o assaltante cometeu seu maior erro: ele decidiu parar de apontar o revólver para mim, mirar nos dois policiais… e disparar.

Só que o disparo errou o alvo. A bala perfurou o vidro e se alojou na porta de uma van em que um senhor e seu ajudante aguardavam para descarregar algumas mercadorias. Os dois, assim como eu, nasceram de novo.

No momento seguinte, mais um grito: “LARGA A ARMA!”.

E o criminoso não largou.

Foi então que eu testemunhei mais dois disparos. Dessa vez, dos policiais em direção ao assaltante.

Atingido, o criminoso se desequilibrou e tentou se esconder atrás dos mesmos carros estacionados que o comparsa havia usado para se esconder – colega, aliás, que fugiu em disparada assim que percebeu o que estava acontecendo.

Nesse momento, os policiais saíram do estacionamento. Um deles parou ao meu lado e ordenou “fica deitado!” enquanto o outro contornava os veículos. Ao ver esse último policial, o assaltante tentou recebê-lo a bala. Porém, um novo indício do milagre que estava em curso se revelou quando as outras 5 munições que ele tinha em seu revólver falharam.

Foi quando então eu ouvi mais disparos.

E entendi que meu breve pesadelo havia terminado.

Em poucos minutos, chegaram várias viaturas e dezenas de policiais.

O assaltante foi a óbito algumas horas depois.

Minha opinião pessoal: levou a pior quem tinha que levar a pior, e esse alguém não era eu.

(A propósito: só fala mal da polícia quem nunca precisou dela.)

Fui magnificamente amparado e bem atendido pelos policiais com quem conversei, sem exceção – em especial, pelos dois anjos que estavam no lugar certo e na hora certa porque era para ser assim. Recuperei imediatamente todos os meus pertences. Passei as 12 horas seguintes retribuindo a atenção desses heróis cujo dia-a-dia é uma verdadeira guerra a que eu tive uma rápida e extremamente reveladora exposição.

Não tenho como medir agradecimentos ao soldado PM Rodrigues e ao soldado PM Belarmino, cuja intervenção precisa e altamente profissional evitou consequências que poderiam variar entre a subtração dos meus pertences e a possibilidade real de que eu não viesse a ter a chance de escrever esse relato. Gostaria também de registrar o tratamento exemplar que recebi na 10ª Delegacia de Polícia da Penha, onde fui acolhido logo após o incidente, e também no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, onde estive para prestar depoimento e fui muito bem recebido pelo delegado e pela escrivã.

Obrigado também ao Fabrício Ramos e ao Alexandre Prates, que me acompanharam ao longo da jornada de mais de 8 horas entre postos policiais e que só foi terminar no fim da madrugada.

Daqui para a frente, a missão é desfrutar da nova chance com que o destino me presenteou na tarde de ontem e lembrar sempre do mantra do último policial civil: “agora é esquecer e continuar a vida”.

Cuidem-se.



No dia 21/6/2017, exatos 219 dias depois do evento improvável de que fui protagonista, estive novamente em São Paulo. Porém, dessa vez, fui especificamente para participar de uma cerimônia que eu garanto que não perderia por nada: os soldados PM Rodrigues e PM Belarmino foram agraciados com a Medalha Tiradentes em reconhecimento à eficiência e à bravura que apresentaram ao endereçarem a ocorrência que me envolveu diretamente.

A solenidade aconteceu na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), e tive a honra e a alegria de entregar as medalhas aos dois soldados. Mais do que ninguém, eu sei o quanto eles são merecedores dessa condecoração!



Quis o destino que eu tivesse não só a improvável fortuna de sair ileso desse episódio, à exceção de algumas escoriações, mas também o privilégio de transformar em amigos meus dois heróis da vida real.

Hoje em dia, tenho a felicidade de participar de um grupo no WhatsApp que se chama “SÓ MEDALHISTAS 👊😃” e que reúne apenas três membros: eu, o soldado PM Rodrigues e o soldado PM Belarmino.

Essa página é apenas mais um recurso para eu demonstrar minha gratidão eterna. Enquanto eu tiver um website, ela vai continuar existindo.

Todo ano eu lembro. Todo ano eu agradeço. E assim será, enquanto minha caminhada não chegar ao fim.

Força e honra! 🙏

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